sábado, 20 de dezembro de 2008

Um compromisso para o Natal (II)

(continuação)
Pela calçada da esquerda, caminhava o velho Coronel, cabeça erguida, os cabelos grisalhos, seu insistente porte marcial apesar dos anos de reforma compulsória. Ainda tinha tão perto de si todo um passado de estudos e atividades da caserna memorável – táticas, estratégias, manobras, apoios logísticos, colunas em deslocamento – do qual buscava se esquivar, dedicando-se a gratificantes causas comunitárias e até se tornando um personagem místico naquele seu afã de se comunicar com o Senhor nas oportunidades que lhe surgiam de ajudar os infelizes e necessitados. Seus braços movimentavam-se acompanhando exatos o ritmo de suas passadas e assim se aproximava daquele local onde havia divisado o moço solitário e encolhido em posição fetal.
Então levou os dedos à altura do coração, por dentro do sóbrio casaco paisano, dali tirando discretamente a carteira que abriu para separar uma das notas ali depositadas; a seguir, fechou-a e a recolocou no devido lugar. Foi-se acercando e parou na frente daquele tipo estranho, postando-se com a perna esquerda apoiada no segundo degrau enquanto a direita acomodava-se no terceiro da escadaria. Aí estendeu aquela mão na qual estava a cédula separada, oferecendo-a como óbolo desinteressado àquele seu irmão decaído. Porém, este insistia em não tomar conhecimento da presença do Coronel, imóvel, o queixo apoiado nos joelhos que se encontravam colocados naquela incômoda postura.
- Como é, meu filho, não vai aceitar? – o Coronel achou esquisita aquela atitude e se ia dispondo a prosseguir na sua escalada rotineira, quando percebeu o jovem a murmurar naquele seu linguajar fronteiriço:
- Mi caso no resuelvese por la plata...
Mas como estavam os dois situados naquele degrau que significava, de acordo com a tradição popular, a Terceira Estação da Via Sacra, punham-se ambos a refletir inconscientemente sem que um soubesse do que o outro estava a pensar – É melhor padecer se Deus assim o quiser, por fazer o bem, do que por fazer o mal (1 Pd, 3, 17). Daí o Coronel resolveu retomar o diálogo:
- Não faz mal, filho meu, não era minha intenção te ofender...
Neste momento, o barbicha soltou sua perna direita, esticando-a ao longo, com o que se permitiu a mão destra se fizesse segurar na soleira do patamar enquanto a outra perna, ainda encolhida, passava a servir de apoio ao braço que se distendera. Ergueu sua cabeça de modo a fitar aquele interlocutor desconhecido, de forma arrogante:
- Pero, dígame, _quien es Usted para que tenga algún interes por mi que nada estoyle a pedir?
O Coronel começou a sentir-se importuno, mas compensado na sua tentativa de querer apoiar desinteressadamente o irmão desassistido e, por esse motivo, não se fez de rogado em levar adiante aquele quebra-gelo:
- Sou Coronel do Exército reformado. Tenho tudo de bom que Deus me proporcionou – minha esposa, meus filhos casados, meus netos maravilhosos... E condói-me ver a ti, meu filho, nessa lastimável situação.
(continua)

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