sábado, 20 de dezembro de 2008

Um compromisso para o Natal (I)

Aquele imenso Largo ocupava quase que um quarteirão inteiro, deixando à mostra o calçamento de pedrinhas irregulares a se alternarem no preto e branco de suas formas assimétricas. Completamente vazio, era um espaço aberto por onde corria solto o ventinho fresco das tardes primaveris. Mas se aquecia, até mesmo nas noites hibernais, com o calor humano das multidões que se concentravam nas festas cívicas ou nas quermesses paroquiais ou nos comícios inflamados onde o verbo dos políticos demagogos fazia-se ecoar nos seus quatro cantos, quatro pontos cardeais. Vez que outra, como querendo libertar-se de grilhões imaginários, as coloridas bandeiras agitavam-se quais pétalas nos cimos das hastes finas que eram aqueles três mastros a subirem eretos e plantados ali, bem no meio, no canteiro retangular de um solitário pedestal...
Em frente, situava-se a praça arborizada a contrastar no seu verde natural encravado naquele recanto tão urbano quanto a alvenaria do casario antigo e os paralelepípedos das ruas que delimitavam o seu contorno. Como que guarnecida por esta fiel companhia, avistava-se ao fundo a igreja centenária destacando-se no seu porte majestoso que as grossas paredes de tijolo assentado no barro teimavam em torná-lo imperecível. Até chegar-se às suas pesadas portas – tão altas que pareciam destinadas a dar passagem a um cortejo de gentes descomunais tal o tamanho da fé que consigo carregavam – ascendia-se por uma escadaria de patamares sobrepostos, quinze degraus para ser mais exato, que se dizia representarem cada qual uma das Estações da Via Sacra...
E quem frontalmente a contemplasse, sentado num dos bancos da praça, perceberia bem nítido de cada lado da nave central as duas torres a subirem altaneiras sustentando cada uma o seu campanário onde repicavam plangentes os sinos, as suas ondas sonoras propagando-se na distância indefinida. Veria ainda em cada uma das torres, a certa altura, dois painéis quadrados – no da esquerda, os ponteiros de um relógio a marcarem precisos as horas do tempo presente e, no da direita, a brancura característica da eternidade...
O sol que costumava cair por detrás da Igreja, tinha deixado de espalhar os seus raios sobre a escadaria sacra e, à esquerda, já se instalara no degrau do terceiro patamar – justo aquele que se pretendia representar quando Jesus cai pela primeira vez – um jovem de fisionomia parada, olhar fixo num ponto qualquer da praça à sua frente. Suas costas apoiavam-se na parede fria da fachada da Igreja, os calcanhares tocando as nádegas, enquanto as suas pernas mantinham-se dobradas e amarradas pelos braços que as circundavam em volta, as mãos enlaçadas nos pulsos contrários. Suas vestes amarrotadas, desbotadas e encardidas – calças jeans, camiseta de física, túnica militar e tênis rotos e sujos – combinavam-se com a espessa barba que lhe escondia o semblante triste e desencantado.
(continua)

Nenhum comentário: