terça-feira, 27 de janeiro de 2009

DESENCANTANDO DULCINEIA (I)

- Você, hein? Seu Peixotinho, agradando assim e não contando nada para os amigos!
- Não sei do que estás falando.
- Não sabes por que não queres enxergar o que se passa a teu redor.
- Mas eu juro que não percebi nada.
- Pois é, eu fiquei sabendo por que uma garota espetacular, flor de bonita, andou me inquirindo, querendo saber se tinhas algum problema. Não entendia porque nunca olhastes para ela que tem tanta vontade de te retribuir esta atenção.
Naquele exato instante, estava a lembrar o velho amigo, companheiro das noites de boemia e das confidências no tampo de mármore daquela mesa de bar em que estavam sentados a conversar numa longínqua noite do passado de sua vida. O diálogo tinha sido interrompido com a chegada de outros amigos, outros convivas que não interessaria discutir assunto tão pessoal e que achavam oportuno manter em discrição.
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- Peixotinho, tenho lido a tua coluna. Teus artigos são bárbaros, aliás, eu tenho recortado e guardado muita coisa do que escreves? Tu não te lembras de mim? Não vale olhar no crachá. E eu vou ficar ofendida se não disseres o meu nome!
E ele ali estava constrangido, tentando vislumbrar por entre as frestas dos dedos daquela mão que delicadamente ocultavam as letras confusas gravadas na identificação, enquanto a outra mão, esguia e aveludada, permanecia ligada à sua num cumprimento prolongado e amistoso. Ela ali tão próxima e íntima e ele lá tão distante e desligado.
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Mas naquele momento, naquele exato instante, ele se punha a divagar, lembrando do amigo que tinha partido para outra melhor e que nunca mais o viu. Um acidente automobilístico tinha-lhe privado do convívio do velho companheiro que tanto o estimulava a aspirar pelas coisas boas da vida, a não fugir da sorte quando esta lhe batesse à porta. E aquele diálogo continuava interrompido, permanecendo envolto no véu do mistério o nome de uma bela mulher que não fora revelado.
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- Peixotinho, se tu soubesses quanta vontade eu tinha de pular contigo nos bailes de carnaval, tantos sinais que eu fiz para ti, quanto me expus para te chamar a atenção, e tu nunca me destes a mínima bola!
No carnaval, ele costumava colocar à solta todos os seus talentos reprimidos e se expandia num turbilhão de loucas alegrias. Gostava de tomar conta do salão, sozinho, mal a orquestra começava a ensaiar os primeiros acordes do Zé Pereira. Tinha a sua própria coreografia com os movimentos e volteios bem ritmados que o tornavam naquelas quatro noites, nas ruas e nos salões, um atleta de invejável preparo físico.
Diziam que ele só fazia aquilo embriagado, mas seus lábios nem chegavam a umedecer as bordas de qualquer copo. Contagiava-se de tal forma com aquela loucura coletiva que ficava completamente ofuscado com a multidão deslumbrante. E aí se punha a dar arremetidas enfurecidas nos moinhos de sua imaginação, qual cavaleiro solitário em busca da amada dos seus sonhos. E um palmo adiante do seu nariz não conseguia enxergar a Dulcineia desencantada.
(continua)

Um comentário:

rodrigueiro disse...

Aplaudo o retorno do talento amigo, esbanjando jovialidade e graça! Aguardemos a Dulcinéia superar o desencanto? Parabéns!
Adilson Rodrigueiro