segunda-feira, 24 de junho de 2013

TODA A DIGNIDADE DA NOSSA HISTÓRIA

Ilustração extraída do face de Sérgio Souza Amaro da Silveira,
Olhando a secção do tronco de uma árvore, constatam-se as camadas que se alternam a partir de um núcleo central, resultantes da adaptação a cada ciclo climático da sua existência. Desta forma, deduz-se a sua idade em função do número dessas camadas. Explicação natural da Botânica, porém, poucos se dão conta que nenhuma delas poderia ter se originado sem que as anteriores – e até o núcleo central – fossem formados.
Enxergo assim minha genealogia desde aquele instante em que meus avôs decidiram se aventurar nessas terras brasílicas a partir de Marco de Canaveses, pequena cidade no distrito do Porto, embarcando como clandestinos num cargueiro para fazer a América e tendo de pagar esse traslado como taiferos. E indo mais além, fico imaginando outros ascendentes às voltas com as invasões napoleônicas a Portugal, por ocasião da fuga da família real para o Brasil. Seus descendentes também foram testemunhas da Abolição da Escravatura e da queda do Segundo Reinado, com a proclamação da República, dando vivas e saudando os novos tempos.
Rememoro minha curiosidade infantil ao remexer no baú de fundo triangular embutido na estante de livros jurídicos do gabinete do meu tio Cantalício Resem e me deparar com a bandeira do Estado do Rio Grande do Sul, as cores vistosas e o altruístico lema Liberdade – Igualdade – Humanidade. Uma época bárbara, em que imperava a ditadura Vargas com a dureza da vigilância da polícia de Filinto Muller, recolhendo e queimando todos os símbolos estaduais em nome duma questionável nacionalidade. Eis que voltando o país a seu estado de direito, retornam esses mesmos símbolos a compor a unidade federativa.
Em Jaguarão, busca-se a relíquia histórica e tio Cantalício retira-a daquela arca de raridades para colocá-la, já meio roída pelas traças, numa das sacadas do seu tradicional sobrado, ao lado da Prefeitura Municipal. Mais tarde, o velho lábaro ainda serviria para tremular imponente no Largo das Bandeiras e até se prestaria a ser conduzido no desfile cívico de 20 de setembro. Entre nós, falava mais alto o orgulho pela saga sul-rio-grandense, desta gente que nunca hesitou em defender as fronteiras da própria Pátria.
Segundo a Secretaria de Turismo do Rio Grande do Sul, “Jaguarão possui o mais expressivo e homogêneo conjunto arquitetônico de estilo eclético”. Na cidade, já existem mais de 800 imóveis cadastrados para serem tombadas as respectivas fachadas. E isto é uma forma de preservar a memória urbana remanescente da estagnação econômica e social por que passou o município em razão da falta de investimentos para se  desenvolver e que agora busca atrair visitantes para conhecer essa riqueza cultural.
Em Pelotas, a escritora Zenia de León tem publicado uma série de obras “Casarões contam sua história” em que aborda detalhes de cada prédio que vem resistindo a passagem do tempo naquela cidade. Sérgio da Costa Franco e Eduardo Alvares Souza Soares são autores que já nos tem legado importantes referências sobre nosso passado arquitetônico. O primeiro, relatando a disputa política entre Carlos Barbosa e Zeferino Moura pelo controle do diretório local do Partido Republicano Riograndense, ilustra-nos com a ostentação dos respectivos palacetes. Enquanto o segundo já tem elaborado pesquisa de fôlego sobre a Santa Casa de Caridade, Associação Protetora de Desvalidos, Ponte Internacional Mauá e Igreja Matriz do Divino Espírito Santo.

Toda essa memória jaguarense precisa urgentemente ser resgatada através de exaustivos levantamentos que podem ser feitos através de grupos de trabalho constituídos por pesquisadores sérios que demonstrem nossa honra de estarmos inseridos na dignidade do histórico passado brasileiro. 

terça-feira, 18 de junho de 2013

O SIMBOLISMO LATENTE DE UMA IMAGEM


Uma fotografia da turismóloga Elisângela Costa Barcellos me provoca o que pensar, pois ali se encontram alinhadas imagens da pira da Pátria, da estátua da Liberdade e da Igreja Matriz de Jaguarão. E eu fico pensando se na genialidade desse ângulo de focagem não estaria implícita uma premeditada escolha na construção do mais importante monumento situado na antiga Praça 13 de Maio (hoje denominada Doutor Alcides Marques). Mário Maestri já elaborou artigo transcrito na Confraria dos Poetasde Jaguarão, abordando sua inconformidade ao se privilegiar 20 de novembro em detrimento daquela data histórica que marcou o resgate nacional da cidadania do afro descendente. Essa inquietação me motivou a buscar dados históricos acerca daquele obelisco e, como não dispusesse de imediato dessas fontes, vali-me de consulta ao notável historiador rio-grandense Dr. Sérgio da Costa Franco, que me respondeu nos seguintes termos:
“Prezado conterrâneo: Na coleção do jornal jaguarense "A Ordem", de que existe uma coleção no Museu Hipólito da Costa, há várias referências à Estátua da Liberdade. Como o projeto nasceu ainda no tempo da Monarquia, para celebrar a abolição da escravatura e a Princesa Isabel, o jornal, que era do Partido Republicano hostilizou a idéia, já a partir de 24-01-1889. A pedra fundamental foi lançada em 3 de fevereiro daquele ano e a proposta da ereção do monumento foi do vereador Antônio da Costa Silveira. 
- Depois do advento da República, em janeiro de 1890, a Junta Municipal resolveu alterar as placas da base da coluna, certamente para retirar louvores à Monarquia e implantar homenagem à proclamação da República. A construção foi demorada e, por algum tempo, existia apenas a coluna com uma haste de ferro, onde deveria ser fixada a estátua de mármore. O cronista de "A Ordem" considerava isso ridículo, e, no Carnaval de 1890 houve gozações em torno disso, e o jornal republicano chegou a sugerir a demolição. Porém, em julho de 1891,  a Junta Municipal mandou completar o monumento, encomendando a estátua e determinando providências para o acabamento. Daí em diante, o jornal não toca mais no assunto, induzindo à conclusão de que tudo foi concluído.
Restaria examinar outras fontes, lá mesmo em Jaguarão.
      Um abraço do Costa Franco.”

Evidente que nossa querida artista jamais imaginaria o feliz achado da sua composição e que esta imagem viesse a confirmar o velho jargão “vale mais que mil palavras”. Quanta gente não andou ali pelo entorno desse monumento sem enxergar aquele alinhamento. Parece até que ditas construções quisessem nos transmitir alguma mensagem que permaneceria oculta na passagem do tempo. Eis que estas visuais palavras afloram através de um momento privilegiado e vivido pela sensibilidade de quem as soube auscultar. 

Embora semi-oculta no recanto sombrio, pode-se perceber ainda a Pira antecedendo a figura do obelisco e caracterizando o patriotismo do povo brasileiro. A Estátua ali erguida homenageando a redentora Princesa Isabel a fim de comemorar a Abolição da Escravatura -posteriormente obscurecida com a Proclamação da  República – deve significar os anseios desse mesmo povo de atingir os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, então o clamor universal da época. Em posição discreta, ao fundo, dividida ao meio nos hemisférios da razão e da emoção, a nossa Igreja Matriz lança suas bênçãos divinas de inspiração para essa perfeita harmonia entre símbolos. 

Ao menos, divulgando essa magnífica obra da artista conterrânea , emoldurada pelo conhecimento daquele ilustre escritor jaguarense, contribuímos para despertar o interesse sobre a importância desse belo monumento da nossa terra.


quarta-feira, 5 de junho de 2013

Jaguarão já cantou de galo neste terreiro

(Colaboração de João Pompílio Neves Pólvora)

Pergunta-me Jorge Passos se conheço o sambista Jaguarão, mencionado na música “O Samba é Meu Dom”, de autoria de Wilson das Neves e Paulo Cesar Pinheiro. Aceito o desafio e me ponho a campo para responder essa questão. Fico sabendo que esse é o apelido de José da Silva, parceiro de Zinco em vários sambas-enredo compostos para a Escola de Samba Lins Imperial, escola esta que nasceu da fusão da Filhos do Deserto, fundada em 1933, e Flor de Lins em 1946, ambas existentes na Cachoeira, no bairro Lins de Vasconcelos. Permanecendo o verde e rosa das duas escolas, entre seus fundadores e grandes colaboradores figuravam Jones da Silva (Zinco) e José da Silva (Jaguarão).

Em “Certidões de Vida e Identidade”, Nei Lopes escreve: “Durante muito tempo, pertencer ao seleto grupo de compositores de uma escola de samba era um privilégio e uma honra, que dependia do talento poético e musical do sambista. Aceito na ala, por indicação ou mesmo “por concurso”, o compositor estava autorizado a mostrar seu talento no terreiro. O número de sambas que poderia apresentar, a cada ano, variava de escola para escola, sendo em geral dois. Esses sambas tinham vida curta, pois a renovação do repertório era obrigatória a cada ano. Mas essa curta existência resumia-se ao terreiro, pois muitos deles, embora nunca gravados, permanecem até hoje na memória do mundo do samba, como alguns escritos por Jonas da Silva, o legendário Zinco, e seu parceiro Jaguarão, dos Filhos do Deserto, da qual nasceu a Lins Imperial...”

Já Martinho da Vila em “Feliz Primavera” opina: “A minha estação preferida é a que estamos, cantada pela Filhos do Deserto há anos atrás, com ricas rimas que se não me falha a memória eram do Zinco e do Jaguarão (“Olhai a natureza nas campinas, esse Brasil de flores mil, esta beleza tão divina que enfeita um fabuloso jardim. Olhai os lírios nos campos, o cintilar dos pirilampos e o bailado das flores em fantasias multicores. Tudo isso que estás vendo faz a gente viver feliz. É a natureza oferecendo um grande presente ao nosso país. Pétalas soltas pelo chão sob um pé de flamboaiant. Um aroma que é sedução a perfumar o raiar da manhã. Manacás, hortênsias, violetas, cravos, malmequeres, bogaris... Onde um bando de borboletas faz os seus charivaris. Primavera em flor. Em alta madrugada, um lindo sonho de amor nos braços da nossa amada”).

Um ilustre desconhecido no cenário nacional, João da Silva (o Jaguarão) teve duas de suas composições gravadas. No álbum “Clementina de Jesus e Convidados” (Emi/Odeon, 1979) figura na faixa 4 com o título “Olhos de Azeviche”. Esta se encontra registrada no programa semanal Essa é Pra Tocar no Rádio – 73 – Os Olhos da Amada (29.02.2012), iniciando um desfile temático de grandes nomes do nosso cancioneiro como Cartola, Garoto, Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Chico Buarque e outros mais, Além dos intérpretes Fagner, Maria Bethania, Fafá de Belém, Milton Nascimento, Paulinho da Viola, Marisa Monte, Elis Regina e outras feras. E em 1989, a gravadora Ideia Livre lançou Projeto em Homenagem à Memória do Presidente Getúlio Vargas, denominado “O Grande Presidente”, onde aparece na faixa 8, “24 de Agosto”, música de sua autoria interpretada por João Nogueira.

Aonde estão os olhos de azeviche que me olham tanto,
que destruiram minh´alma, que me roubaram a calma?
O meu coração palpita a todo instante,
vive a perguntar se aqueles olhos lindos não vão me enganar (Bis).
Eu que vivia feliz, sossegado, jamais havia pensado no amor,
surgiram então aqueles olhos negros,
todo meu sentimento transformou...
Consulto meu coração sentimental
se aguenta amar não lhe faz mal.