Em remotas eras, certo amigo me
apresentou a uma bela “dama da noite”, conhecedora profunda do comportamento
masculino, tecendo rasgados elogios à minha pessoa, apesar de não merecidos. Do
alto de sua refinada experiência, essa dona não chegou a colocar em dúvida
aquelas referências, porém, colocou-se a desfiar todas as decepções que lhe
ensinaram a conhecer melhor o sexo oposto. E nos apontava apenas uma distinta
figura do seu relacionamento como modelo de cavalheirismo, pautado em atitudes
de respeito indiscriminado à condição social de cada criatura e que se chamava
João Batista.
Assim, em rápidas pinceladas, apresento
o perfil desse indivíduo que deixo em suspenso para compreender a
profunda ansiedade por que passa todo ser humano ante as resultantes traduzidas
pela química das reações emocionais. Dizem os espiritualistas que já somos
programados desde os planos superiores. De modo inconsciente, mal percebemos os
sinais que nos chegam através de inúmeras ofertas sociais de interação aos
pares no meio onde vivemos com o fim de perpetuar a própria estirpe. E o nosso
espírito vaga por ai perdido para encontrar afinidade de gostos e ideias.
Agora, imagine-se como estudante,
dinheiro contadinho, que vai passar fim de semana na casa de parentes, em Barra
do Ribeiro. A seu lado, viaja linda jovem, calada, que vai desembarcar numa
parada logo adiante a fim de fazer baldeação a um ônibus de partida para Sertão
Santana. Da sua janela, você avista ela embarcando no outro veículo e lançando
para si um significativo sorriso. Você pensa em tomar outro rumo, mas ai surge
o dilema de quem vai lhe pagar a passagem de volta. Cada um segue o seu caminho
até nunca mais, pois aquele desencontro já fora previsto em sua programação.
Tantas partidas e chegadas nestas
estações aonde nos conduz o destino que a gente não deixa de esquecer as muitas
paragens de nossa existência. E ali naquela aduana no lado uruguaio da Ponte
Internacional Mauá, hoje é difícil de conceber a ausência daquele carro motor que
ia e vinha pelos trilhos de Rio Branco a Montevidéu, levando e trazendo aquelas
pessoas complicadas para se identificar nas suas pretensões como de passeio ou
negócio. Passageiros das mais diversas origens, misturando-se em multicoloridas
roupagens que mal denunciavam seu modo de vida.
Afinal quem era João Batista? Boêmio,
solteirão inveterado, filho de fazendeiro que ajudava o pai nas lides
campeiras, com tempo suficiente para se dividir entre a dureza da atividade
rural e as ocupações comerciais que não prescindiam de sua presença na cidade. Tínhamos
um amigo comum, Vitório Silva, um velho companheiro das rodadas no Café do
Comércio, que sempre me falava das
qualidades de João Batista, as quais eu ia agregando com admiração, apesar de
não lhe desfrutar da intimidade. E o Vitório foi quem me contou um
acontecimento rocambolesco, envolvendo aquele nosso personagem.
Estavam os dois passando de automóvel
pela Aduana uruguaia no momento em que os passageiros embarcavam no carro
motor, quando João Batista viu aquele perfil de rosto feminino que lhe
encantou. Parecia que lhe sopravam: “Esta é a mulher da tua vida”. O trem já ia
saindo, mas ele não teve dúvida para instruir Vitório: “Vamos até a estação da
Cuchilla, que lá eu compro a passagem e pego o carro motor, preciso falar com
aquela moça que nem conheço. Tu telefonas para o representante de meu pai em
Montevidéu, Mateo Gallindo, que me espere lá na chegada desse trem, pois necessito
acertar um negócio com ele. E levas o nosso carro para casa em Jaguarão”.
Nem preciso contar que ele terminou casando com a "involuntária visão", embora tivesse se apresentado a ela de botas e
bombachas, a mesma roupa com que saíra da campanha. Apenas contando com presumíveis
préstimos de uma pessoa de Montevidéu, que só distinguia de ouvir falar em seu
nome.
2 comentários:
Compreendí o João Batista: amor à primeira vista. Mas lembrei também o que uma senhora falou ao conjunto "Os Ginasianos": -Todo o estudante é "pronto". Parabéns pelo trabalho.
Grande Mestre José Alberto de Souza, continuas brilhante nas tuas narrativas. Histórias como essa que contaste lembram fatos registrados por amigos na minha juventude. Aliás, uma história que se assemelha ao nosso passado ou de quase todos nós.
Forte abraço
Edemar Annuseck
Curitiba - PR
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