quinta-feira, 22 de setembro de 2016

"SEU" CONCORDINO - BARBEIRO PRAGMÁTICO


– Bom dia, “cumpanheiro” Concordino!
– Há quanto tempo, “cumpanheiro” Olívio? – ele não se constrangia de se misturar com a “cumpanheirada”.
“Seu” Concordino trabalhava numa barbearia do Conjunto Nacional em Brasília, bem ali em frente à Lancheria do Bund’s, e apavorava seus colegas cabeleireiros do salão com a imensa fila de clientes que declinavam de ser atendidos por outros profissionais que não fossem o próprio. Emérito contador de histórias, seus concorrentes não acreditavam que ele não preparasse em casa o repertório de causos para narrar à freguesia, sempre renovado dia a dia e apreciado com sofreguidão até mesmo por aqueles ocupantes de outras cadeiras mais disponíveis.
Pois “seu” Concordino tinha uma estratégia para cativar a clientela, consistindo em sondar inicialmente cada novo atendimento, jamais falando mal de quem quer que fosse e procurando - isto sim - exaltar as qualidades de quem estivesse na berlinda. E não se furtava a qualquer papo, dando uma de entendido no assunto a que fosse solicitado. Sua cultura inútil era inesgotável, corria em todas as raias, traçando política, religião, futebol, novela e todo tipo de música que tocava nas rádios. Até sabia de cor a escalação do selecionado da Polônia para gáudio dos “polacos” que ali apareciam...
De vez em quando, eu chegava por lá, meio apressado para afeitar a barba e não me importava de ser convidado pelo primeiro atendente a postos, ficando na escuta da prosa falada de “seu” Concordino, meio desconfiado daquele seu jeito de nunca sair “de cima do muro”:
– E como é, o Corintians, hein? – tirava a temperatura do novato.
– Vai cair do G-4... – o outro já dava indícios de que não era alvinegro.
– Hum, será que não vai disputar a Libertadores do ano que vem?
E eu saía de lá intrigado com aquela conversinha mole, disposto a voltar nesse Salão para entender melhor a figura de “seu” Concordino. Noutro dia, estive no pedaço para desbastar as melenas e não deixei de prestar atenção nos rodeios da peça:
– E que me diz da cassação do Cunha? – ele sempre puxava o assunto.
– Merecida, recebendo propina à custa do dinheiro público... – este replicava.
– Não foi ele que “impinchou” a Dilma?
Foi o que bastou para que seu interlocutor desse um salto na cadeira e, para acalmá-lo, Concordino tirou do aparador uma das placas escondidas – È GOLPE!
Logo depois chegou a vez de um cidadão com pinta de religioso e “seu” Concordino resolve fazer as honras da casa, saudando-o:
– “Fora de Cristo não há salvação!”
– "Alá esteja convosco" - responde um muçulmano.
– Precisamos acreditar em nossos profetas, não é? – ele fazia média.
Até que um dia, decidi testar minha paciência, enfrentando aquela fila vagarosa para ser atendido por “seu” Concordino, sem deixar que ele tomasse a iniciativa do papo. Em seguida, provoquei-o:
– Amigo, que democracia é esta com um Congresso cheio de palhaços? Mil vezes o antigo regime militar para conter essas ondas de greves e arruaças!
– Sabe que você tem razão... – retruca Concordino, mostrando a outra placa que tinha no aparador – IMPEACHEMENT JÁ!
– Ah, essa não, “seu” Concordino, outro dia vi você se manifestando contra o golpe, afinal qual das placas você prefere?
– E você acha que eu sou louco para fazer inimizades, discordando ou discutindo com aqueles que me dão sustento? Enquanto nós brigamos aqui na planície, os barões se entendem e terminam abraçados lá em cima...
E assim acabei descobrindo a faceta pragmática daquela ambígua pessoa.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

"EU QUERO APLAUDIR" - A ALIENAÇÃO GERAL

Confetes à parte, constranjo-me em revelar que tempos atrás apresentei um anteprojeto de estatutos para a Associação de Funcionários, da qual era um dos integrantes. Premissa básica: tornar esta entidade mais representativa dos empregados junto a Direção do estabelecimento a que prestávamos serviços. A partir daí constituir uma Diretoria mais atuante e eleita através de uma chapa constituída de elementos realmente comprometidos com uma atuação conjunta, ao invés de se eleger um único Presidente para que este nomeasse a posteriori seus colaboradores.
Na ocasião, chamava-me atenção o recém-lançado modelo gestor do Grêmio F. B. Porto Alegrense, cuja Diretoria se compunha de várias Vice-Presidências especializadas e autônomas que eram coordenadas pelo Presidente e dirigente máximo, ao qual deveriam ser submetidos para aprovação os planos daqueles seus colaboradores. Assim, ao invés de se formar a chapa tradicional de Presidente, Secretário e Tesoureiro, estes dariam lugar a Vice-Presidências Financeira, Administrativa, Patrimonial, Cultural, Comercial, Social, Esportiva, responsáveis por suas respectivas áreas de atuação.
Submetido a uma Comissão, foi elaborado o projeto final, implantado e depois alterado para que voltasse a ser apenas recreativa a referida Associação. Porém, permanece até hoje a filosofia que descartava a figura do abnegado carregador de piano e concentrador de decisões daquele Presidente de épocas passadas. Apesar de que nos dias atuais essa entidade de classe ainda se ressente da renovação de seus quadros dirigentes, o que obriga a que se perpetuem determinados grupos na administração, os quais acabam se deteriorando e colocando em risco a própria sobrevivência da agremiação.
Idênticas dificuldades acontecem nas reuniões para eleição de síndicos nos edifícios, em que muitos condôminos se eximem de assumir sua parcela de responsabilidades em prol do bem estar coletivo. Parece que vivemos um tempo de acomodados que só pensam em seus direitos, esquecendo que têm deveres a cumprir na própria comunidade. Figurinhas decorativas em cargos que jamais serão exercidos, julgam-se isentos de obrigações por emprestarem graciosamente seus nomes para justificar uma pseudo-organização. Eis que surge o polivalente, concentrando tarefas que não lhes dizem respeito.
Em outras oportunidades, participei de comissões para organização de almoços e jantares festivos, encarregando-me de contatar pessoas interessadas em confirmar sua presença nesses eventos com a devida antecedência. Era importante fazer uma estimativa exata do número de adesões para que se providenciasse a contratação dos serviços de atendimento nos restaurantes sondados. Terrivelmente frustrantes foram minhas experiências nessa área, de vez que os elementos contatados raramente tinham uma decisão pronta e nunca me avisavam do que tinham resolvido.
Para dar uma ideia dessa balbúrdia, certa feita, obtive apenas 20 confirmações e, como eram poucas, terminei contratando o serviço para 60 pessoas.  E não é que me aparecem 120 interessados, obrigando em pleno domingo o ecônomo da sociedade que nos acolhia a buscar o fornecedor da alimentação na própria residência para adquirir o que necessitava para completar aquilo que faltava! Dessa forma, teve de improvisar seu atendimento em duas rodadas, sem contar com a compreensão daqueles que foram preteridos, os quais protestavam batendo talheres nos pratos, em barulheira infernal...
Poucos meses depois, nova reunião de confrades e somente 20 se manifestaram favoráveis. Mesma estimativa anterior, apenas contratei 60 talheres e desta feita apenas 40 estiveram presentes, tendo de assumir o prejuízo do excesso no previsto. Ainda procurei conscientizar todos os confrades, explicando essas faltas de comunicação que nos angustiavam ante prováveis insucessos para o bom desempenho no recebimento a todos convidados, mas esta providência resultou infrutífera. Gato escaldado, larguei de mão toda e qualquer futura atividade em benefício daquela confraria.
Décadas atrás, “Eu Quero Aplaudir” era um quadro humorístico da nossa televisão que bem representava a alienação dessa gente irresponsável e postulante da lei da vantagem, a qual não leva em conta a mínima colaboração com nosso esforço dispendido.