– Bom dia, “cumpanheiro” Concordino!
– Há quanto tempo, “cumpanheiro” Olívio?
– ele não se constrangia de se misturar com a “cumpanheirada”.
“Seu” Concordino trabalhava numa
barbearia do Conjunto Nacional em Brasília, bem ali em frente à Lancheria do Bund’s,
e apavorava seus colegas cabeleireiros do salão com a imensa fila de clientes
que declinavam de ser atendidos por outros profissionais que não fossem o
próprio. Emérito contador de histórias, seus concorrentes não acreditavam que
ele não preparasse em casa o repertório de causos para narrar à freguesia,
sempre renovado dia a dia e apreciado com sofreguidão até mesmo por aqueles
ocupantes de outras cadeiras mais disponíveis.
Pois “seu” Concordino tinha uma
estratégia para cativar a clientela, consistindo em sondar inicialmente cada
novo atendimento, jamais falando mal de quem quer que fosse e procurando - isto
sim - exaltar as qualidades de quem estivesse na berlinda. E não se furtava a
qualquer papo, dando uma de entendido no assunto a que fosse solicitado. Sua
cultura inútil era inesgotável, corria em todas as raias, traçando política,
religião, futebol, novela e todo tipo de música que tocava nas rádios. Até sabia
de cor a escalação do selecionado da Polônia para gáudio dos “polacos” que ali
apareciam...
De vez em quando, eu chegava por lá,
meio apressado para afeitar a barba e não me importava de ser convidado pelo
primeiro atendente a postos, ficando na escuta da prosa falada de “seu”
Concordino, meio desconfiado daquele seu jeito de nunca sair “de cima do muro”:
– E como é, o Corintians, hein? – tirava
a temperatura do novato.
– Vai cair do G-4... – o outro já dava
indícios de que não era alvinegro.
– Hum, será que não vai disputar a
Libertadores do ano que vem?
E eu saía de lá intrigado com aquela
conversinha mole, disposto a voltar nesse Salão para entender melhor a figura
de “seu” Concordino. Noutro dia, estive no pedaço para desbastar as melenas e
não deixei de prestar atenção nos rodeios da peça:
– E que me diz da cassação do Cunha? –
ele sempre puxava o assunto.
– Merecida, recebendo propina à custa do
dinheiro público... – este replicava.
– Não foi ele que “impinchou” a Dilma?
Foi o que bastou para que seu
interlocutor desse um salto na cadeira e, para acalmá-lo, Concordino tirou do
aparador uma das placas escondidas – È GOLPE!
Logo depois chegou a vez de um cidadão
com pinta de religioso e “seu” Concordino resolve fazer as honras da casa,
saudando-o:
– “Fora de Cristo não há salvação!”
– "Alá esteja convosco" - responde um muçulmano.
– Precisamos acreditar em nossos profetas, não é? – ele fazia média.
Até que um dia, decidi testar minha
paciência, enfrentando aquela fila vagarosa para ser atendido por “seu”
Concordino, sem deixar que ele tomasse a iniciativa do papo. Em seguida,
provoquei-o:
– Amigo, que democracia é esta com um
Congresso cheio de palhaços? Mil vezes o antigo regime militar para conter
essas ondas de greves e arruaças!
– Sabe que você tem razão... – retruca
Concordino, mostrando a outra placa que tinha no aparador – IMPEACHEMENT JÁ!
– Ah, essa não, “seu” Concordino, outro
dia vi você se manifestando contra o golpe, afinal qual das placas você
prefere?
– E você acha que eu sou louco para
fazer inimizades, discordando ou discutindo com aqueles que me dão sustento?
Enquanto nós brigamos aqui na planície, os barões se entendem e terminam
abraçados lá em cima...
E assim acabei descobrindo a faceta pragmática daquela ambígua pessoa.
8 comentários:
Tirou daqui”, como dizia o personagem do Jô Soares, outro concordino....
Obrigado, José Alberto.
O Concordino é um sábio que sabe viver neste Brasil conturbado.
Abr. do Sérgio
Muito oportunos os comentários do Concordino.
Quantos "concordinos" haverá por este mundo?
Parabens, José Alberto.
Um abraço.
Hunder
Muito bom. A sobrevivência acima de tudo.
Esperto, este barbeiro...
Mestre José Alberto de Souza,
Como é bom ler os seus "causos". Agora cá prá nós o Concordino é o maior VASELINA. KKKKKKKKKKKKK
Amei sua crônica. Eu também gosto de deixar registrado o cotidiano. Sempre conseguimos coisas bem interessantes. Parabéns.
É isso mesmo, Seu Concordino.
Um abraço,
Diná
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