Chego a tremer cada vez que abro a boca
para dar algum palpite, receando ter de assumir a responsabilidade consequente
desse ato involuntário. Em meados do século passado, estava eu degustando uma
rubiácea com alguns amigos, sentado a uma mesa do imenso salão do Café do
Comércio, onde todos falavam em encontrar um adversário para a próxima “pelada”
do fim de semana. Todos menos eu eram atletas de uma equipe varzeana. Na
gozação, sem querer, ofereci-me para colocar em campo um time inexistente e
amarrei naquele momento a tão desejada partida.
Pra quê, mudeuducéu, em que encrenca me
fui meter! Agora precisava sair dessa enrascada sem fugir da raia. E lá me
mandei a buscar gente disposta a correr atrás de uma bolinha, conseguindo arregimentar
– literalmente entre os soldados do quartel – os onze elementos necessários
para colocar em campo, tendo ainda de providenciar camisetas, calções, meias e
chuteiras, gentilmente cedidas com material de treinamento de uma agremiação
esportiva local, incluindo mais a bola da disputa. Mais chorado ainda foi o
empréstimo do campo que o diretor do clube largou a duras penas.
E para dar um toque feminino na
cerimônia, formei uma comissão de atletas para convidar uma beldade de que me
fazia admirador para ser a madrinha do improvisado esquadrão de futebol. No dia
aprazado, as duas equipes prontas para a peleja, lembrei-me que faltava o
árbitro e corri atrás de um espectador presente que a caro custo terminou
aceitando a incumbência, por sorte o zelador do estádio ainda nos alcançou o
providencial apito. O juiz dirigiu-se ao meio do campo, onde lá estava nossa
madrinha a postos para entregar o ramalhete de flores ao capitão do time
adversário.
Depois que nossa madrinha se retirou, na
base do cara ou coroa, foi escolhido o lado de cada um dos disputantes e já ia
ser apitado o início do jogo, quando o capitão do outro quadro, pediu para me
falar e veio reclamar minha presença dentro da arena:
– Mas como é, todas as providências
ficaram por tua conta e nem te fardaste para a nossa “peladinha”, esta não dá
para aceitar...
– E o que mais querem? Já fiz a fogueira,
então eu fora, vocês podem pular e se queimar à vontade! – Quando abro a boca
tenho que sair da frente para não ser atingido.
Um quarto de século após, participava da
organização de uma entidade de classe em que se colocava em pauta o lançamento
de uma revista técnica. Julgando-me o menos ceguinho de todos os companheiros
presentes, com um pouquinho mais de conhecimento de causa, resolvi abrir o bico
para deixa-los perplexos com a opinião repleta de detalhes desconhecidos pela
maioria. Afinal valia-me de minha experiência como gerente de jornal do
interior, onde coloquei em prática noções empíricas de redação, revisão,
diagramação e composição do meio em que me criara.
Tão convincente em meus argumentos,
recebi de surpresa a chamada do presidente dessa associação – "Quem sabe te
encarregas da direção da revista!" – mais um desafio ocasionado pela indiscrição
oral. Ainda tentei expor a necessidade de se montar uma estrutura mais
aparelhada com jornalista responsável, captação de publicidade, conselho
editorial, distribuição e outras coisas mais. Mas aquele dirigente estava a fim
de me colocar contra a parede, prometendo-me todo apoio logístico para
implantar e levar adiante todas as metas do projeto, amparado num seminário
nacional.
Precariamente, é bem verdade,
conseguimos editar aquela publicação que foi alvo de um lançamento festivo,
contando com o comparecimento de grande número de profissionais liberais, além
de conceituados comunicadores, um deles isolado num canto do salão, chamava atenção, o que me levou a dirigir-lhe a palavra:
– Muito prazer, Senhor Fulano de Tal,
admiro seu trabalho jornalístico.
– Agradeço o elogio, embora não seja a
mim Beltrano objeto de merecimento.
– Desculpe a confusão. – E sai de
fininho para não provocar mais mal-entendidos...
3 comentários:
Souza
Dizem que "em boca fechada não entra mosca", mas é bom darmos palpite, só que as vezes somos infelizes.
Abraço.
Diná
E quem resiste na hora de dar um palpite, mesmo que seja um "palpite infeliz", tal como ficou eternizado nos versos do nosso poeta Noel Rosa. Mas o bom mesmo é contar a história das consequências, reais e imaginárias, decorrentes do palpite "furado", da forma sutil, inteligente e humorĩstica como tão bem sabes fazer. PARABÉNS.
Souza,
Estou de volta à Capital depois de uma estada na terrinha. Posso ver que o amigo continua se dando bem com as letras. Um bom texto de caráter memorialista no qual o autor se dá muito bem. Parabéns. Abraços. Wenceslau.
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