domingo, 25 de dezembro de 2016

VEJA A CRÔNICA AVULSA DE UM APOSENTADO

T A T U A G E N S
Sérgio da Costa Franco

Entre as incompatibilidades que, no fim da vida, arranjei com o meio social em que vivo, está essa prática da tatuagem, que a cada dia encontra mais aderentes e mais espaço na pele de formosas criaturas, que assim danificam pernas, colos e braços antes perfeitos. E o pior é que não posso ao menos criticar essa opção pseudo-artística e estética, porque foi aceita e adotada por estimados personagens da família. O que antes – e assim se entendia até o meu tempo de adolescente – era uma prática de presidiários e desocupados, ou de marujos, para preencher as extensas jornadas de ócio, tornou-se atrativo de moças bonitas e bem-nascidas, de rapazes ilustrados e até de trabalhadores, condenados a “ralar” no dia-a-dia da construção civil, da indústria fabril ou do comércio.
Até admiro a coragem de quem é capaz de mandar gravar na própria pele, de forma dificilmente removível, o nome de uma namorada, sem nenhuma garantia de permanência no leque das afeições pessoais. Os surtos amorosos, especialmente entre os muitos jovens, podem levar a essas demonstrações de afeto, que são dolorosas de fazer e ainda mais dolorosas para desmanchar. Não por uma namorada (o que poderia render alguma coisa em termos de relacionamento), mas por afeição intelectual e ideológica, um dos meus netos mandou gravar no braço a imagem do Nietzsche, com seu formidável bigode. Eu nunca aprovaria essa opção ideológica, que também foi de Hitler e dos nazistas, mas o jovem aprendiz de filósofo, então com vinte anos, jamais consultaria o avô, e lá está ele com seu ícone imortalizado no antebraço, até que se arrependa algum dia e eleja melhor parceiro, talvez um pacifista como Gandhi ou Mandela, ou um santo como Francisco de Assis. Mas será difícil e penoso deletar todo aquele bigodão... E como o filósofo é mal conhecido e menos identificado, meu neto é visto, no Rio Grande do Sul, como um fiel devoto do Governador Olívio Dutra.
Dias atrás, passou por mim, sem camisa, um jovem que mandara gravar no lombo a estrela do PT. O que me pareceu um caso de empolgação transitória, que em certas praias e ambientes deve agora trazer-lhe dificuldades para despir a camisa. Talvez fosse bem pior se ele tivesse desenhado na pele uma foice e um martelo, como do agrado de alguns comunistas antes do desmanche da União Soviética. De qualquer modo, jamais convém gravar na pele as opções políticas, sempre passíveis de revisões e de arrependimentos. 
Os velhos marinheiros, que me consta haverem sido os primeiros adeptos da tatuagem, gravavam na pele a imagem das mulheres que conquistavam nos portos, mas sem fixar nomes nem datas. Não precisavam removê-las quando as esquecessem ou quando passassem a odiá-las. Eram apenas figuras de um passado perdido, que levavam na pele como uma página de história. Os jovens da atualidade ainda estão aprendendo que são passageiras muitas afeições e devoções intelectuais, e os amores, mais ainda, são fugazes e incertos.

2 comentários:

Gilberto disse...

Sabes que a Mariana também fez algumas tatoos, não é??

Garoeiro disse...

Já o seu Poeta das Águas Doces está de parabéns, com as boas crônicas do Sérgio, que tenho lido, e tem-me feito refletir. Concordo com ele nas críticas ao "cachorrismo" e às avassaladoras tatuagens na moçada! Hoje, a propósito, li três estudos - dois, Brasil, e um, Portugal - sobre tatuagem corporal na atualidade.