Faz algum tempo me falava um amigo sobre
uma passagem de sua adolescência, na qual estava jogando bola com seu irmão e
esta caiu no terreno vizinho. O proprietário a recolheu, devolvendo-a furada em
represália. Eles então se revoltaram, apedrejando as vidraças da casa lindeira,
cujo dono em seguida fez queixa ao pai deles. Este os chamou para a reprimenda
de uma surra de cinto. Aquele me disse que, graças a esse incidente e outros
mais, eles vieram a se tornar cidadãos íntegros e respeitadores. Repliquei-lhe
então que, no lugar do seu genitor, até ajudaria a quebrar o restante daqueles
vidros.
Parece que hoje se tornou moda
descaracterizar o diálogo na educação dos filhos, havendo aqueles adeptos da
linha dura para conduzir a prole no bom caminho. De minha parte, acredito que
na minha formação familiar muito influíram as palavras de advertência de meu
tio e pai de criação sobre a corrigenda de maus procedimentos. Sua fala era
suficientemente clara ao ilustrar as consequências que poderiam vir a
prejudicar terceiros por não assumir a responsabilidade de minha conduta. E eu
jamais cheguei a mentir nessas ocasiões como forma de desarmar o desagrado que
estava provocando.
Três desejos foram objeto de
escamoteações às vistas de meus tutores: soldadinhos de chumbo, revistas em
quadrinho e cigarrilhas “Phriné”. Tirando dinheiro da gaveta em que era
guardado, secretamente adquiria aquilo que me parecia fazer falta e depois
escondia esse produto em algum lugar seguro. Lembro-me que cheguei a formar
batalhões de infantaria, artilharia e cavalaria, movimentando-os ludicamente em
baixo de minha cama. Sob o colchão, mantinha reservado um rico “Almanaque do
Globo Juvenil”, quando só se permitia aos menores o “Tico Tico” como leitura
infantil.
Mas foram as cigarrilhas “Phriné” que me
expuseram a fraqueza de caráter. Uns tubos finos de fumo fraco, não consegui
resistir a tentação de pitar algumas de vez em quando, fazendo desaparecer
inúmeras daquelas carteirinhas, o que deu motivo à desconfiança de tio
Cantalício, inquirindo-me sobre o fato. Surpreendi-o, confirmando minha falta
na hora. Então, ele replicou que, com essa atitude, eu lhe tinha poupado de
acusar outra pessoa da casa inocente e me abriu os olhos para o bom caminho da
retidão na maneira de proceder, evitando problemas futuros na orientação certa
e segura.
Dada minha condição de órfão, acredito
que por tal motivo nunca cheguei apanhar de meus tios, mais empenhados em
compensar a ausência de meus pais biológicos. Evidente que tinha um tratamento
diferenciado em relação a um primo e irmão de criação, nem sempre apoiado em
suas preferências de lazer, como o futebol praticado nas peladas de rua ou no
colégio. Assim, era objeto de ciumeira pelos demais que me consideravam
“mimado” em demasia, sem quaisquer proibições para realizar o que bem
entendesse, confiança essa que procurava corresponder em minhas ações.
No primário, tive dificuldades para me
adaptar ao horário matutino, sonolento, com déficit de atenção, chegando a ser
acordado com um copo d’água que o professor me atirou na cara e me desmoralizou
perante os colegas. Pouco interessava ao mestre saber das causas daquele
distúrbio, numa época em que ainda não se falava em correto politicamente. Sou
mais adepto daquele saudoso diálogo com meu tio, colocando-me nos trilhos para
seguir numa viagem mais tranquila. Confesso meu embaraço com os jovens devido a
dificuldades auditivas que procuro suprir com exemplos dignificantes.
Preparei exame de
admissão ao ginásio com aulas particulares com a Profª. Delícia Ramis
Bittencourt, vindo a obter o segundo lugar na classificação geral. Desta
querida mestra, recebi uma das mais inesquecíveis lições de minha vida, quando
adentrei na sala em que ela ministrava suas aulas. Com cortesia, ela me
solicitou que saísse daquela peça, voltasse ao hall de entrada, batesse na
porta e esperasse autorização para entrar, depois abrisse aquela porta, dando “boa
tarde” aos presentes. Feito isso, ela me mandou sentar à mesa e começar meus
estudos. Uma ação corretiva que bem poderia ser considerada o mais perfeito
exemplo de cidadania para os dias atuais.
3 comentários:
Caro José Alberto. A professora Delícia Bitencourt foi minha professora no Joaquim Caetano. ótima professora. Com ela, também, aprendi muitas coisas, inclusive a responsabilidade que devemos ter com nossos compromissos. Mas hoje, infelizmente, os mestres até apanhyam de seus alunos, falta o respeito e apoio dos pais uqae muitas vezes saem em defesa dos filhos e contra os professores, infelizmente. Na tua época, como na minha tudo era diferente, os ensinamento começavam em casa , com os pais. E tu é um exemplo vivo de tudo isso. Parabéns. Um abraço. Hunder
Conterrâneo,
Como sempre uma maestria em narrações de relembranças. Também eu tive a sorte de ter como mestra a profa. Delícia de quem tenho as melhores recordações na área da educação. Cumprimentos renovados, também, pelo novo colunista do blog que só faz enriquecer qualquer publicação que esteja presente. Abraços. Wenceslau.
Amigo José:
Gostei muito das suas reflexões sobre disciplina das crianças.
A chinelada e o relho não eram e nunca foram a melhor solução para a educação dos filhos.
Agradeço por continuares me privilegiando no teu blog.
Abraço do Costa Franco.
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